No intrincado mosaico da história brasileira, o ano de 1988 destaca-se como um marco crucial. Naquele tempo, o país emergia de décadas de autoritarismo e ditadura militar, e a Constituição de 1988, frequentemente chamada de “Constituição Cidadã,” emergiu como uma promessa de um futuro mais democrático e justo.
O caminho para essa Constituição, porém, foi cheio de desafios e negociações políticas complexas. Após a eleição de Tancredo Neves e a subsequente ascensão de José Sarney à presidência, o Brasil viu a criação da Assembleia Nacional Constituinte em 1986. No entanto, mesmo após o fim do regime militar, a sombra do passado ainda pairava sobre o processo político. Velhas práticas, como o peso desigual dos votos e o domínio midiático das elites, continuaram a influenciar as decisões.
A composição da Assembleia Constituinte refletia essa realidade, com 22,5% de parlamentares de esquerda, 32,5% de centro e 27,6% de direita, de acordo com pesquisas da época. Entretanto, o espírito progressista da época, impulsionado pelas massivas mobilizações das Diretas Já e pela busca pela redemocratização, acabou por deixar sua marca na Constituição.
Os comunistas, notadamente representados pelo PCdoB, desempenharam um papel fundamental nesse processo. Apresentando 1.003 emendas através de seus cinco deputados constituintes, eles viram 204 delas serem aprovadas. Entre as contribuições mais marcantes estão a definição da moradia como asilo inviolável do cidadão, o piso salarial, a jornada de trabalho de seis horas nos turnos ininterruptos, o direito de greve dos trabalhadores, entre outros avanços sociais e econômicos.
Outro aspecto notável foi o envolvimento popular, com 122 emendas populares assinadas por quase 12,3 milhões de brasileiros. Essa participação ativa da sociedade contribuiu para moldar uma Constituição que, apesar de suas lacunas e imperfeições, abraçou um caráter progressista.
Contudo, como qualquer documento complexo, a Constituição Cidadã não ficou imune a revisões e emendas posteriores. Algumas delas, infelizmente, minaram seu espírito original. Ainda assim, ela permanece como um farol de esperança, especialmente diante de desafios neoliberais e reacionários.
À medida que celebramos os 35 anos da promulgação da Constituição de 1988, lembramos as palavras de Ulisses Guimarães naquele momento histórico: “A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria! Temos ódio à ditadura! Ódio e nojo!”
Esta Constituição, imperfeita como qualquer obra humana, continua a ser a pedra angular da nossa democracia e uma lembrança de que, juntos, podemos moldar o destino de nossa nação.