Ecos do Passado na Crueldade do Presente: Violência e Negligência nos Presídios Paulistas Sob Inspeção

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Um cenário de horror e negligência emergiu das entranhas do sistema prisional paulista. Inspeções surpresa, conduzidas pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), revelaram uma realidade sombria de péssimas condições, violações brutais de direitos e uma dura lembrança de nosso passado.

O relato chocante desvenda uma cruel saga nas prisões de São Paulo. As descobertas incluem alimentação escassa e de baixa qualidade, mulheres grávidas negligenciadas, recém-nascidos alojados em condições desumanas que lembram celas, falta de acesso a cuidados médicos, tortura física e até a vedação de janelas em celas superlotadas.

A coordenadora das inspeções, Camila Sabino, expressou a amargura dessa realidade, comparando-a a uma “senzala”, um triste eco da escravidão que persiste nas entranhas do sistema carcerário paulista. Com 182 prisões abarrotadas e aproximadamente 195 mil pessoas atrás das grades, São Paulo ostenta o título de líder no encarceramento no Brasil.

As revelações preliminares desse relatório, programado para ser publicado em março de 2024, foram compartilhadas durante uma audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo. As inspeções minuciosas se estenderam a instituições como as Penitenciárias Venceslau 1 e 2, Dracena, Adriano Marrey em Guarulhos e a Penitenciária Feminina de Tupi Paulista. Além disso, a comitiva visitou outras unidades, incluindo o Centro de Detenção Provisória (CDP) feminino de Franco da Rocha, a Fundação Casa Chiquinha Gonzaga e Casa São Paulo, bem como a Unidade Hospitalar Adolpho Bezerra de Menezes e o Serviço de Cuidados Prolongados Álcool e outras Drogas Boracea.

Um dos aspectos mais alarmantes é a situação precária da alimentação nas prisões. Carolina Barreto, perita do MNPCT, descreve a oferta de alimentos como “pequena quantidade e pouquíssima qualidade nutricional”. Em alguns presídios, apenas R$8 são destinados diariamente para três refeições, uma quantia insuficiente para oferecer nutrição adequada. A gestão da alimentação nas unidades prisionais é realizada através de licitações individuais, um sistema único no Brasil que levanta questões sobre a administração de recursos.

A resposta da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) em relação a essa grave situação atribui a descentralização das licitações à inviabilidade das centralizações de compras, devido ao grande número e disposição das unidades prisionais do estado.

Além da deficiente alimentação, os presos enfrentam a falta de assistência material básica. Uniformes rasgados, colchões deteriorados, toalhas e lençóis desgastados compõem a realidade lamentável. Isso levanta a preocupação de que o Estado transfere o ônus da custódia para as famílias dos detentos, criando uma situação de miséria para aqueles que já sofrem privação de liberdade.

A gravidez e o cuidado com bebês atrás das grades também são pontos críticos. Embora a legislação brasileira permita que juízes convertam prisões preventivas em prisões domiciliares quando a mulher está grávida ou é mãe de criança com até 12 anos, essa prática é rara. Durante as inspeções, mulheres grávidas não receberam a assistência médica adequada, desafiando as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) para o cuidado de gestantes.

A SAP contestou essas alegações, afirmando que as unidades prisionais femininas oferecem pré-natal, consultas externas e exames médicos conforme necessário. No entanto, a realidade observada parece discordar.

A situação em São Paulo, com sua força de elite do Grupo de Intervenção Rápida (GIR), também é digna de preocupação. As inspeções revelaram um ambiente de violência física e psicológica. O GIR, composto por policiais penais treinados em técnicas militares, atua nas prisões paulistas desde 2009. Em algumas unidades, a quantidade de agentes para presos é desproporcional.

O relato perturbador incluiu a mutilação de um detento durante uma ação do GIR, destacando a agressão presente no sistema prisional. A SAP alega que a atuação do GIR é pautada pelo uso escalonado da força e que seus objetivos são garantir segurança e disciplina.

A vedação de janelas em celas já superlotadas também foi mencionada como uma prática inexplicável que compromete a ventilação adequada.

Essa exposição das condições nas prisões de São Paulo levanta questões profundas sobre o sistema carcerário no Brasil. É uma lembrança inegável de que a violência e a negligência persistem nas entranhas do sistema, corroendo não apenas a privação de liberdade, mas também os direitos humanos. O sistema carcerário se tornou um espaço onde a violência é permitida sob a justificativa da ordem, despojando os detentos de sua humanidade.

À medida que as inspeções ocorreram no mesmo mês em que o Massacre do Carandiru completou 31 anos, essa dolorosa coincidência ressalta como a crueldade estrutural ainda perdura. A conclusão é clara: o sistema prisional não apenas priva a liberdade, mas também priva da vida e da dignidade, um desafio que persiste como uma mancha na sociedade brasileira.

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