Por que mais casais estão optando por ter um filho único, apesar da pressão e dos estigmas

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Quando Jen Dalton engravidou em 2018, ela traçou um plano meticuloso. Considerou a licença maternidade, as diretrizes de saúde para espaçar nascimentos e até as potenciais férias em família, estabelecendo um cronograma para ter os quatro filhos que imaginava querer.

“Às vezes, dou uma olhada nessa planilha e rio da minha ingenuidade”, conta a jovem de 31 anos.

Porque, apenas dois meses após o nascimento de sua primeira filha, Jen e seu marido tomaram uma decisão firme: “Será apenas uma, e está decidido”.

Uma parte significativa dessa decisão foi motivada pelo desafio da privação de sono e pela batalha pela saúde mental. Jen enfrentou um parto traumático, seguido de depressão pós-parto (DPP) e ansiedade pós-parto (APP). Mas à medida que a vida se tornou mais tranquila, a escolha de ter um único filho continuou fazendo sentido para eles.

Não foi apenas a preocupação com o bem-estar de Jen, mas também a compreensão de que não havia nada de “errado” em criar uma filha sem irmãos. “Sou filha única e sou muito feliz”, afirma Jen. “Tenho um relacionamento forte com meus pais.”

Entretanto, em 2022, Jen e seu marido começaram a reconsiderar sua decisão. Eles se mudaram para uma nova casa e amigos próximos tiveram um bebê, o que trouxe à tona lembranças da filha. Jen sentiu que, se enfrentasse DPP ou APP novamente, estaria mais preparada para lidar com isso. Além disso, algoritmos de redes sociais continuavam a exibir imagens de famílias grandes e felizes.

“Tudo isso nos fez pensar: ‘Sim, talvez possamos fazer isso de novo'”, admite Jen.

Não é surpreendente que ela tenha começado a questionar a decisão.

Embora, em muitos países, famílias com um único filho estejam se tornando mais comuns, a pressão para ter mais de um persiste.

Os estereótipos de que filhos únicos são mimados ou solitários resistem, apesar dos esforços para desconstruí-los. Pais relatam sentir pressão de familiares e até mesmo de estranhos para terem mais filhos.

Nas redes sociais, mães compartilham momentos adoráveis de seus filhos com legendas como: “Este é o sinal, dê a eles um irmão mais novo” e “Nunca conheci uma mãe que se arrependesse de ter outro filho”.

Embora a decisão de ter “apenas um” tenha se tornado mais comum, esse ruído de fundo significa que os pais que fazem essa escolha frequentemente precisam convencer outras pessoas – e, às vezes, a si mesmos – de que estão fazendo a coisa certa. Mais comum, mas ainda julgado.

Após a revolução contraceptiva do século XX, que concedeu às mulheres um controle mais efetivo sobre a fertilidade, a escolha do número de filhos se tornou uma questão pessoal. No entanto, existem tendências sociais e culturais evidentes.

Em muitos países, essas tendências apontam para famílias com menos filhos.

O Brasil registrou uma queda na taxa de fecundidade, chegando a 1,6 filho por mulher, o índice mais baixo já registrado, segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Na União Europeia, a maioria das famílias com filhos – 49% – tem apenas um filho. No Canadá, as famílias com filhos únicos também formam o maior grupo, aumentando de 37% em 2001 para 45% em 2021.

Olhando para mulheres próximas ao fim da idade fértil – uma métrica mais precisa para avaliar a popularidade de famílias com filhos únicos, uma vez que os dados do censo oferecem apenas um instantâneo -, em 2015, 18% das mulheres nos EUA tinham apenas um filho, em comparação com 10% em 1976.

A ideia de que ninguém quer ter apenas um filho é questionável. Algumas pessoas argumentam que esse aumento no número de famílias com filhos únicos se deve apenas ao adiamento da maternidade.

“Bem, essa é uma maneira de tomar essa decisão, certo? Você está dizendo: ‘Há outras coisas importantes para mim, vou priorizá-las e, com sorte, vou realizá-las’. Em vez de ‘Essas coisas não importam, e minha prioridade é a maternidade'”, argumenta a jornalista investigativa Lauren Sandler, autora de “Primeiro e Único: Por que ter um filho único, ou ser um, é ainda melhor do que você imagina”.

O conceito de número ideal de filhos também está mudando.

Durante séculos, ter mais de um filho fez sentido, principalmente porque, há duzentos anos, mais de quatro em cada dez crianças morriam antes de completar cinco anos.

Ter vários filhos também ajudava nas muitas tarefas necessárias para a sobrevivência da família. E, na ausência de contraceptivos confiáveis e com o casamento ocorrendo mais cedo, ter apenas um filho não era uma escolha viável.

Hoje, em muitas culturas (embora não em todas), o cenário é bastante diferente.

Portugal, onde 59% das famílias com filhos têm apenas um, é um exemplo. À medida que a idade média das mães no primeiro parto aumentou de 26,6 para 29,9 anos entre 2001 e 2019, quase uma em cada cinco mulheres afirma agora que um filho é o tamanho ideal da família.

Nos EUA, antes dos anos 1970, apenas 1% dos entrevistados achavam que ter apenas um filho era a melhor opção. Embora ainda seja uma minoria, essa proporção triplicou.

Claro, existe uma grande diferença entre o que as pessoas consideram ideal e quantos filhos elas realmente têm. Mas isso também está relacionado à forma como os dados foram coletados.

Tanto nos números de Portugal quanto dos EUA, os entrevistados foram questionados sobre seu número ideal de filhos – um conceito que pode não se traduzir diretamente em ação.

Em 2018, o pesquisador de sociologia Hans-Peter Kohler, da Universidade da Pensilvânia, EUA, argumentou que o desejo por apenas um filho havia se tornado mais proeminente nos últimos 30 anos, o que refletia as mudanças no custo e na recompensa de ter filhos.

Hoje, segundo ele, o custo de oportunidade de ter filhos é maior do que nunca.

“Antes, havia um forte incentivo econômico e social para ter mais de um filho”, diz ele. “Agora, o que vemos é uma espécie de equilíbrio. O custo de oportunidade de ter um filho é muito grande, mas o custo de oportunidade de ter mais de um é também muito grande. E a maior parte da população em muitos países parece estar disposta a se acomodar nesse equilíbrio.”

Claro, essa tendência não se aplica a todos. Em muitas partes do mundo, as famílias continuam a ser numerosas, por uma série de razões, incluindo a falta de acesso a contraceptivos e o papel cultural da maternidade.

No entanto, em muitas sociedades, o custo de oportunidade de ter filhos aumentou dramaticamente.

Um estudo de 2020 que analisou dados de mais de 58 mil mães americanas descobriu que, quando a renda das mães ultrapassava US$ 75 mil por ano, a chance de elas terem apenas um filho aumentava 2,5 vezes em comparação com as que ganhavam menos de US$ 75 mil.

Além disso, o custo financeiro direto de ter filhos é alto e continua a subir. Estudos sugerem que criar um filho nos EUA custa, em média, mais de US$ 230 mil, excluindo os custos da educação superior.

Esse custo não leva em conta os gastos com creches, atividades extracurriculares, seguro saúde e habitação maior.

“Existe esse grande equívoco de que você só precisa arcar com os custos básicos de alimentação, roupas e abrigo, e que tudo o mais é opcional”, explica Kimberly Palmer, autora de “Smart Mom, Rich Mom”.

“As famílias podem tomar muitas decisões diferentes sobre quanto gastar em seus filhos, mas o que não é opcional é fornecer cuidados básicos e um ambiente seguro. E isso custa muito.”

E esse custo não deve diminuir em breve.

Um relatório de 2021 da organização sem fins lucrativos Child Care Aware of America, que analisou os custos da creche nos EUA, revelou que o preço médio de creches em tempo integral para crianças em idade de creche em 2020 era superior ao custo médio da habitação em todos os estados do país.

No final, o custo da habitação, a pressão social e os benefícios financeiros podem ser argumentos convincentes para ter apenas um filho.

Além disso, a qualidade do relacionamento entre pais e filhos também é importante.

Segundo Susan Newman, autora de “The Case for the Only Child”, uma das principais vantagens de ter um filho único é a capacidade dos pais de dar mais atenção e recursos a essa criança.

Ela argumenta que essa atenção exclusiva pode criar filhos independentes, criativos e autossuficientes.

“Os pais muitas vezes veem essa opção como uma forma de dar ao filho uma base sólida”, afirma ela. “Eles acreditam que podem dar ao filho o melhor de tudo: melhor educação, mais oportunidades, mais tempo e energia. Eles veem isso como uma maneira de maximizar o potencial do filho.”

Outra questão é a preocupação com o meio ambiente.

Em 2020, um estudo publicado na revista Environmental Research Letters sugeriu que ter menos filhos poderia ser uma das maneiras mais eficazes de reduzir o impacto ambiental individual, uma vez que as emissões de carbono associadas a cada filho são substanciais.

A pesquisadora Kimin Eom, da Universidade do Estado de Michigan, EUA, que liderou o estudo, afirmou que, para ter o mesmo impacto na redução das emissões de carbono, uma pessoa teria que fazer uma série de mudanças em seu estilo de vida, como dirigir um carro elétrico, reciclar, comer uma dieta à base de plantas e usar roupas de segunda mão.

No entanto, as pressões persistem.

Heather Taylor, autora de “The Space Between: A Memoir of Motherhood, Friendship, and Fitness”, decidiu ter apenas um filho porque sentiu que era a escolha certa para ela e seu marido.

Ela está cansada de justificar essa decisão para os outros.

“Não vou me desculpar por ter apenas um filho”, diz ela. “Eles são minha prioridade número um, e não preciso de mais ninguém. Por que isso é da conta de outra pessoa?”.

No entanto, ela admite que não é fácil ignorar os comentários bem-intencionados dos outros.

“É difícil, porque as pessoas sempre têm algo a dizer”, diz ela. “Quando você tem um filho único, ouve muito: ‘Bem, pelo menos você tem um’, ou ‘Ele vai ficar muito solitário’. As pessoas fazem muitos comentários desagradáveis.”

É uma situação que também é familiar para Jen Dalton. Mesmo quando ela e seu marido decidiram ter um segundo filho, ela ainda enfrentou julgamentos, especialmente de sua própria família.

“Muitas pessoas dizem: ‘É, um filho único, ele ficará solitário'”, lembra Jen. “Eles parecem pensar que têm alguma autoridade sobre nossas vidas e escolhas.”

Jen diz que a resposta para esses comentários não solicitados é a mesma de sempre: “Ouça, não é da sua conta”.

Em última análise, a decisão de ter um filho único é profundamente pessoal e deve ser baseada nas necessidades e desejos dos pais, bem como nas circunstâncias financeiras e sociais.

Embora a pressão social e os estereótipos ainda existam, muitos pais estão fazendo essa escolha conscientemente, encontrando felicidade e realização em criar uma família com um único filho. O importante é fazer o que é melhor para você e sua família, independentemente das expectativas ou julgamentos dos outros.

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