Os conflitos violentos tomam conta da zona oeste do Rio de Janeiro nesta segunda-feira (23/10), com grupos criminosos travando embates ferozes, seja contra a polícia ou entre eles, em busca do controle da região.
Em um dia marcado por incêndios criminosos que consumiram quase 30 ônibus em diferentes pontos da zona oeste, a cidade do Rio de Janeiro é lançada em um “estágio de mobilização,” um alerta máximo que denota riscos de ocorrências impactantes.
Esses incêndios são considerados uma retaliação à morte de Matheus da Silva Rezende, conhecido como Faustão ou Teteu, durante um tiroteio com agentes no mesmo dia. Faustão era sobrinho de Zinho, líder de uma das principais milícias da região.
Em meio a esse cenário de caos, o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), enalteceu a Polícia Civil em uma coletiva, afirmando que a morte de Matheus foi resultado de uma operação policial que “neutralizou um dos maiores criminosos da atualidade no Rio de Janeiro.”
Segundo informações do jornal O Globo, Faustão ocupava a segunda posição na hierarquia da milícia e era o principal protagonista nas disputas entre os grupos rivais da zona oeste.
O que é ainda mais alarmante é a apagada distinção entre milícia e tráfico nos olhos das autoridades. Ambos os grupos parecem agora espelhar os “modelos de negócios” um do outro, o que potencializa a escalada de mortes e outros crimes violentos na área nos últimos meses.
O Comando Vermelho (CV), uma facção originalmente associada ao tráfico de drogas, forja alianças com milicianos da zona oeste em busca do controle das comunidades na região. Dominar esse território significa poder explorar o comércio ilegal de drogas, assim como a venda de produtos e serviços ilícitos, incluindo gás de botijão, acesso à internet, transporte por van, e muito mais – uma tarefa que traficantes e milicianos executam sem distinção.
Neste mês, incidentes como o triplo assassinato de médicos na orla da Barra da Tijuca e o desvio de armas de um arsenal do Exército em São Paulo estão relacionados à intensificação desses conflitos na zona oeste. Segundo a Polícia Civil, as armas furtadas provavelmente seriam utilizadas na disputa pelo controle territorial de favelas que já dura há mais de um ano e meio.
A narcomilícia da Gardênia Azul, agora aliada ao CV, está no epicentro dessa guerra, marcada por eventos como o encontro de quatro suspeitos da chacina dos médicos ocorrida no início deste mês.
Segundo a polícia, a chacina teria sido ordenada pela cúpula do CV, uma vez que a ação não atingiu o alvo desejado, levando a atenção às atividades da região. A Polícia Civil alega que houve um erro e que o ataque com as mortes dos médicos resultou do fato de Perseu Ribeiro de Almeida ter sido confundido com Taillon Barbosa, um miliciano rival dos autores da chacina.
Esse conflito entre grupos criminosos tem resultado em uma escalada de mortes e violência na zona oeste, impactando significativamente as estatísticas de violência. De acordo com o Instituto Fogo Cruzado, entre 1º de janeiro e 20 de outubro de 2023, a zona oeste do Rio registrou:
- 241 mortes por homicídio, um aumento de 129,5% em comparação com o mesmo período de 2022.
- 13 chacinas com 47 mortos, um aumento de 291,6% em relação a 2022.
- 728 tiroteios, um aumento de 55,88% em comparação com o ano anterior.
Em comparação, a zona sul, a área mais rica da cidade, apresentou números muito menores:
- 6 mortes por homicídio, o dobro do ano anterior.
- Nenhuma chacina, como em 2022.
- 47 tiroteios, quatro a menos do que no ano passado.
O Instituto Fogo Cruzado aponta que a disputa na zona oeste explodiu após a morte de Ecko (Wellington da Silva Braga), líder da principal milícia, em junho de 2021.
Carlos Nhanga, coordenador regional do Fogo Cruzado, afirma que a entrada de novos atores na disputa pelo território na zona oeste, incluindo facções do tráfico, tem intensificado o conflito.
Daniel Hirata, pesquisador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), enfatiza que as mortes violentas na região afetaram os índices gerais de violência do Sudeste e do Brasil.
O Rio de Janeiro registrou um aumento de 17,3% nos homicídios no primeiro semestre de 2023, enquanto o resto do país viu uma queda de 3,4%. Essa reversão da tendência nacional no Sudeste tem suas raízes nos conflitos cada vez mais violentos da zona oeste.
Em meio a esse cenário de caos, a zona oeste, outrora rural, cresceu consideravelmente e concentra a maior parte da população da cidade. A urbanização acelerada a partir dos anos 1980 transformou a região em uma verdadeira fronteira urbana.
A zona oeste foi palco de grandes eventos nos anos 2010, incluindo a Copa do Mundo e as Olimpíadas, o que levou a um rápido crescimento da região e favoreceu as milícias. As políticas de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), que visavam desarticular quadrilhas, focaram principalmente em áreas de tráfico, o que deixou a zona oeste relativamente sem intervenção policial.
O resultado? A zona oeste tornou-se predominantemente miliciana. Agora, com a intensificação das disputas, a violência e a morte, a zona oeste do Rio de Janeiro se torna o epicentro de uma crise que abala a cidade e o país.