Desafios Persistem na Regulamentação da Maconha Medicinal no SUS, Nove Meses Após Sua Legalização

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Nove meses se passaram desde que a Lei 17.618 de 2023, que autoriza o fornecimento de medicamentos à base de maconha no Sistema Único de Saúde (SUS) em São Paulo, foi sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas. No entanto, a promessa de rápida implementação ainda não se concretizou, deixando pacientes à espera e ativistas questionando as demoras.

Para Cidinha Carvalho, bancária e presidente da Cultive (Associação de Cannabis e Saúde), a extração de óleos à base de maconha se tornou uma rotina em sua casa. Desde 2016, ela obteve uma autorização judicial para produzir medicamentos à base da planta, visando tratar a síndrome rara de sua filha Clarián. Essa síndrome, conhecida como Síndrome de Dravet, causa desde atrasos no desenvolvimento cognitivo até crises epilépticas. Cidinha recorda o impacto positivo do tratamento: “Na primeira vez que ela tomou o óleo, ficou 11 dias sem ter crise nenhuma, e aquilo era impossível antes, foi maravilhoso, porque a síndrome não vem sozinha, ela vem com um pacote de sintomas.”

Apesar dos desafios e dificuldades envolvidos na extração do composto da maconha, o que Cidinha enfrentou foi a única opção, uma vez que o SUS não oferece medicamentos à base de maconha. O cenário prometia mudar com a promulgação da Lei 17.618 em janeiro deste ano, que determinava que o SUS em São Paulo forneça medicamentos com canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC) – dois derivados da Cannabis – gratuitamente para pacientes com prescrição médica.

No entanto, a implementação efetiva da lei, que deveria ocorrer em até 90 dias, ainda não ocorreu, uma vez que um decreto para regulamentá-la não foi publicado. O deputado estadual Caio França, autor do projeto de lei, critica a demora, enfatizando que “a vida não espera.” Ele faz parte do grupo de trabalho encarregado de discutir o funcionamento da lei, que é composto por técnicos, médicos, associações de pesquisa, pacientes e familiares.

A regulamentação inicial da lei deve abranger apenas três patologias: Síndrome de Dravet, Síndrome de Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa. Outras condições clínicas, como dores crônicas, serão incluídas numa segunda fase da regulamentação. Essa abordagem restritiva é criticada por Cidinha e outros ativistas, que a veem como limitante e excludente.

Eles argumentam que a regulamentação inicial da lei exclui diversos pacientes, uma vez que se destina apenas a três patologias, contrariando o entendimento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que já autoriza a importação de medicamentos à base de maconha para qualquer doença, desde que haja prescrição médica.

Essas demoras são motivo de preocupação, considerando a crescente demanda por medicamentos à base de maconha. Enquanto em 2015, as permissões para a compra desses medicamentos no Brasil totalizavam cerca de 850, dados da Anvisa mostram que, apenas entre janeiro e junho de 2023, houve mais de 66 mil permissões. No entanto, a importação desses medicamentos ainda é dispendiosa, com um pequeno frasco de óleo importado individualmente custando aproximadamente R$ 480, segundo a Kaya Mind, especializada em inteligência de mercado no setor da maconha.

A falta de regulação sobre o cultivo doméstico da maconha também é uma preocupação destacada. A ausência de regulamentação nesse sentido preocupa as famílias de pacientes, que veem o cultivo doméstico como uma forma de acesso democrático a tratamentos personalizados.

O engenheiro Hélio Henrique Júnior, paciente de óleos à base de maconha medicinal, aponta que as dificuldades começam com o acesso à prescrição médica, uma vez que poucos profissionais estão abertos a esse tipo de tratamento. Ele também menciona os altos custos dos medicamentos como um obstáculo significativo. “Além do acesso às prescrições, a gente passa dificuldades de ter acesso ao tratamento, tanto do óleo quanto dos outros produtos. Tanto no meu caso, quanto no do meu pai a gente teria um custo de mais de R$ 30 mil anualmente, então fica inviável realizar esse tratamento.”

As regulamentações estaduais variam, com 13 estados já possuindo alguma regulamentação relacionada à distribuição de maconha medicinal pelo SUS, enquanto outros 11 têm projetos em tramitação. Com a limitação do decreto em São Paulo, ativistas acreditam que isso resultará em uma judicialização massiva, à medida que os pacientes buscam acesso à medicação.

Embora as promessas de regulamentação continuem a enfrentar obstáculos, os pacientes e ativistas não desistem da luta por um acesso mais amplo e acessível aos benefícios da maconha medicinal no Brasil. “A vida não espera”, ressalta Angela Aboin Gomes, da Federação das Associações de Cannabis Terapêutica (FACT), destacando a urgência de superar esses desafios.

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