Na cidade das contradições, onde o Cristo Redentor contempla tanto a beleza natural quanto as profundas divisões sociais, a última edição do “Mapa da Desigualdade” foi revelada, lançando luz sobre uma realidade implacável. De acordo com essa pesquisa abrangente, cerca de 50% da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro subsiste com uma renda mensal inferior a um salário mínimo, equivalente a módicos R$ 1.320.
Este mapa inovador foi apresentado durante o 1º Seminário de Geração Cidadã de Dados, um evento que aconteceu na favela da Maré, zona norte do Rio, e contou com a participação de organizações da sociedade civil comprometidas em promover mudanças significativas.
A Casa Fluminense, entidade ativa há uma década no debate das políticas públicas destinadas a reduzir desigualdades no estado, liderou esse esforço. Diante dos cortes e atrasos no Censo Demográfico e da desarticulação dos órgãos de pesquisa públicos, a organização adotou uma abordagem inovadora. Em vez de se curvar aos obstáculos, a Casa Fluminense analisou 23 bases de dados governamentais e empresariais, bem como solicitações de informações via Lei de Acesso à Informação (LAI) para criar esse mapa multifacetado.
O “Mapa da Desigualdade” é subdividido em quatro vertentes: desigualdade racial, de gênero, econômica e climática. Essas dimensões atravessam todas as áreas da política pública, desde educação e saúde até segurança e muito mais.
Em relação à segurança pública, um dos desafios mais prementes, o mapa aponta para a inquietante estatística de 3.584 tiroteios e 51 chacinas na região metropolitana no ano passado. A maioria desses eventos violentos, 41 no total, foi resultado de operações policiais. O governo sob Claudio Castro registrou três das cinco chacinas mais letais na história do estado, pintando um quadro sombrio.
A disparidade racial é uma ferida aberta. Das 1.169 mortes causadas por intervenção de agentes do Estado, 919 das vítimas eram negras. Em 14 municípios, mais de 80% das pessoas mortas durante ações do Estado eram negras, com cinco municípios atingindo a triste marca de 100%.
No que diz respeito ao saneamento básico, um direito humano fundamental, doze municípios da região metropolitana têm coleta e tratamento de esgoto abaixo de 5%. Apenas Niterói alcançou a marca de 100% da população com acesso a esse serviço essencial.
Na área da saúde, sete municípios cobrem menos de 50% de sua população com serviços de Atenção Básica do SUS. Alarmantemente, uma em cada quatro gestantes não realiza o número mínimo de consultas pré-natal recomendadas pelo Ministério da Saúde.
O abandono escolar no ensino médio é uma preocupação crescente em oito municípios, onde supera a média estadual e nacional. Além disso, vinte municípios têm pelo menos uma escola pública com falta de água, energia, esgoto ou alimentação, com Nilópolis destacando-se, com cerca de 14% de suas escolas enfrentando essa situação precária.
As disparidades salariais entre gêneros e raças continuam chocantes. As mulheres ganham menos que os homens em 16 municípios, com homens brancos recebendo em média R$ 2.713 a mais em empregos formais na Região Metropolitana. Brancos também superam os negros em renda em 21 municípios, sendo as diferenças mais marcantes em Japeri e Rio de Janeiro.
O endividamento é um fardo que mais de 50% da população do estado carrega. Em junho de 2023, o Rio de Janeiro ocupou o primeiro lugar no ranking brasileiro, com 53% dos fluminenses incapazes de pagar suas dívidas, afundando muitos em um ciclo interminável de aperto financeiro.
Os números também revelam uma realidade preocupante para a população negra, com 2,2 milhões de mulheres vivendo em condições de pobreza ou extrema pobreza na região metropolitana. Dessas, cerca de 1,6 milhão são negras. Em 14 municípios, mais de 70% das mulheres negras enfrentam essas condições precárias.
A assistência social e a moradia também estão sob pressão crescente. Mais de 17 mil pessoas em situação de rua estão cadastradas, e a sobrecarga nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) dobrou em comparação com o mapa anterior de 2020, atingindo níveis preocupantes em cidades como Duque de Caxias, Nova Iguaçu e Rio de Janeiro.
A habitação é uma preocupação adicional, com a maioria da população negra vivendo em domicílios improvisados em toda a Região Metropolitana. A justiça climática não fica de fora, pois mais de 2 milhões de pessoas foram afetadas por eventos climáticos devido a fortes chuvas em 2021 e 2022, com a Região Metropolitana concentrando 81% desses casos e milhares de casas danificadas ou destruídas.
Esse “Mapa da Desigualdade” é um espelho angustiante, refletindo uma realidade que não pode ser ignorada, e que exige ação urgente e eficaz.